quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
O Funeral de Heféstion
O inanimado nunca gerou tanto
Movimento, o deitado tanta altura.
Velas de púrpura, proas de pranto,
Navegam o ar, ao vento da loucura.
A escassa coisa, um homem,
E as línguas que o consomem
Fremem por se enlaçar na borra escura.
Símbolo é tudo, fantasmagoria
Quanto a luz forja e a mão ao céu levanta.
Sobre troféus, panóplias e armaria
Em cada canto uma sereia canta
Pela voz de algum vulto,
Reles bípede oculto
No templo tênue que no azul se implanta.
Urge enganá-lo, o hirsuto horror que assombra
Cada conviva do avesso e do inverso,
Rever o antes do ser, vestir a sombra,
Ser o logro e a graçola do universo.
Que a ebriez da honra e do hoje
Cubra a escória que foge
Ao som do rio primevo e preverso.
Quarenta homens de alto, arcos, quimeras,
Colunatas pintadas de ocre e ouro,
Hidras, centauros, grifos e outras feras
E o mais que pague o pérsico tesouro,
Bandeiras tatalantes
E as almas inebriantes
Da mirra, do aloés, do vinho e o louro.
E queima! Igual a nós. Maior que a pira
É o caos que nos erige, o amontoamento
Do que um homem não é e em que que se mira,
Portões de areia que abre e arrasa o vento.
Maior, e um só segundo
Cancela-o. Arde um mundo
Sob o sol a cada ínfimo momento.
Como aqui, nesta noite. Amor o ordena
E o fogo o cumpre. A cínica pilhéria
De ser ou de vencer, a inútil cena
Da vida esfaz-se em turva nódoa aérea.
Há um urro e um coro. Após,
Nem os menores pós
Restarão da nossa híbrida miséria.
Bueno, Alexei. Desaparições, Antologia organizada e prefaciada por Arnaldo Saraiva. Porto: Editora Exclamação, 2017, pp 110-111.
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