terça-feira, 2 de janeiro de 2018
Ítaca
Quer tremam os céus
Que me auguram morte
Ou se esforça o deus
Da úmida cratera
Contra a minha sorte,
Ítaca me espera.
Cheire-me o gigante
Na inviolável furna,
Beba o mar bramante
A última galera
Na exaustão noturna,
Ítaca me espera.
Puxem-me as sereias
Com sonoros laços,
Prenda-me em suas teias
Aquela que impera
Nos mortais cansaços,
Ítaca me espera.
Lance-me bruxedos
A odiosa maga,
Mordam-me os rochedos
De dentes de fera
Onde o mar nos traga,
Ítaca me espera.
E lá longe brindem
Minha hora funesta,
Mesa e adega findem
Da mansão severa
Para a hedionda festa,
Ítaca me espera.
E então durmam tortos
De risos e vinhos,
Vivos quase mortos,
Neles meu ser gera
A ânsia dos caminhos.
Ítaca me espera!
Bueno, Alexei. Desaparições (Antologia organizada e prefaciada por Arnaldo Saraiva). Porto: Editora Exclamação, 2017, 78-79.
.
.