domingo, 6 de março de 2016


            "  Irmão siamês  "

Aquela alga gotejando como um folho húmido
experimento em volta do meu braço
como uma manga de túnica ou uma renda de baile,
estou sentada numa rocha com os pés na espuma
e gozo sozinha esta beleza ocasional
sem estar preocupada com o sentido estético
de algum afecto absorvente.

Este meu sentir a meias obsessivamente
tornou-me metade do corpo demasiado pesada
estou sozinha respirando sozinha
e sinto o Verão nesta solidão
( quem disse que a solidão é um ser de Inverno?)

Ó esta liberdade de não pensar o que o outro irá pensar,
esta limpidez de uma só garganta,
esta infância do olhar e da boca,
este estado divino de me bastar às minhas sensações!

Quem disse que os amores e as partilhas são o sal da vida
não esteve nesta rocha
não encontrou esta alga
nem descobriu esta praia.


   Lourenço, Inês. O segundo olhar, poemas escolhidos. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2015, p 51 (selecção, organização e posfácio de José Manuel Teixeira da Silva).
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