quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017


"Um criado exemplar" é um romance do escritor suíço Alain Claude Sulzer (Basileia, 1953) e, num estilo clássico e depurado movendo-se em dois tempos narrativos, fala do conflito tradicional no fenómeno amoroso: de um lado um criado de um hotel de luxo que arrisca tudo na sua paixão (Erneste), do outro, um jovem aprendiz desse mesmo hotel suiço, alguém sem escrúpulos que se aproveita de todas as situações (Jakob). Tudo começa quando Erneste, trinta anos após o rompimento dessa relação que o marcara, recebe uma carta de Jakob à altura vivendo nos EUA, para onde viajara após se ter envolvido com um escritor famoso (Julius Klinger) que o levara para o outro lado do Atlântico e, como paga, Jakob destruir-lhe-á o casamento e conduzirá Maximilian (o filho do escritor com quem Jakob também se envolvera) ao suicídio. Esta é a história de um relacionamento entre "um ser ético" e um alpinista social, que, no entanto, acabará soçobrando vítima de uma doença incurável.
O romance de Sulzer, para alguns críticos, apresenta semelhanças com Thomas Mann e com obras de Bernhard Schlink, pessoalmente também lhe encontro convergências com Stefan Zweig, como por exemplo o romance "A confusão dos sentimentos" e com alguns romances de Sándor Márai, sobretudo a última parte deste livro (o diálogo entre Erneste e Julius Klinger) tem grandes semelhanças com obras de Márai, como por exemplo o "As velas ardem até o fim."
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Como falhasse a abertura da manga, Erneste pegou-lhe no punho e Jakob não fugiu ao contacto. A sua pele estava fria e era firme, muito fina, lisa, sem pêlos. Erneste tremia um pouco. Introduziu o braço na manga da camisa, agindo da mesma maneira com o braço direito. Desta vez, Jakob não tentou apanhar a manga, deixou que Erneste o ajudasse, deixou-se guiar, estendeu o braço para trás e esperou que Erneste o agarrasse, o que efectivamente ele fez. Apertou mais firmemente o punho de Jakob para enfiar o braço na manga. Jakob não soltou a mão, esticou-a, era a mão de um homem, firmemente decidida.
     Enquanto Jakob abotoava a camisa, que cheirava ligeiramente a goma. Erneste alisou-a nas costas de Jakob; com as mãos esticou a parte dos ombros e depois as costas; sob as suas mãos sentia os ombros e as costas de Jakob (...) Pôs-se em frente dele e estendeu-lhe as calças, o colete e o cinto. Estava diante dele, apenas afastado alguns centímetros, podendo observar de muito perto como as pernas lhe desapareciam dentro das calças pretas. Enquanto Jokob apertava os botões, olhou Erneste nos olhos e, quando sorriu, Erneste soube que estava perdido, que tinha conquistado mas ao mesmo tempo perdido alguma coisa, que esta vitória significava simultaneamente a sua derrota. Sentiu uma estranha premonição, um pressentimento incompreensível, aninhado por detrás da fachada clara da sua excitação e que pretendia chamar a sua atenção, algo estúpido e perturbador, algo ameaçador de que nada queria saber, algo estúpido, perturbador e ameaçador por detrás da felicidade e da alegria que o submergiam.


 Sulzer, Alain Claude. Um criado exemplar. Lisboa: Quidnovi, 2007, pp 46-47.
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