Ouvi, pela primeira vez, o nome de Lamennais (de Félicité Robert, não do irmão!) pela voz da Colette Magny. Ela puxava da viola e dizia que ia cantar palavras de Lenine e Lamennais... e lá cantava. Aqueles eram os tempos em que eu pensava que as verdades para serem certezas tinham de ser gritadas, eram as décadas do meu ateísmo convicto, que eu lá ia tentando fundamentar racionalmente, portanto, a presença de um padre católico ao lado de Lenine causou-me alguma estranheza, mas o clero não era a minha especialidade naquela altura, por conseguinte, nunca mais pensei no assunto. Ora, continuando eu - hoje - de braço dado com os Românticos tropeço de novo em Lamennais: amigo do primeiro Victor Hugo. A coisa tornou-se mais estranha: um Victor Hugo ainda assumidamente de direita, lambendo botas aos Académicos para ver se conseguia entrar para o grupo dos imortais, amigo de Carlos X de Bourbon, não fazendo já poemas a Napoleão, mas escrevendo-os para a Monarquia Restaurada, um Victor Hugo fazendo também olhinhos à Duquesa de Berry após o assassinato do seu marido, herdeiro do trono. Era de facto estranho ver um padre católico a puxar o grande Hugo para a esquerda, onde este finalmente ficou a maior parte da sua vida, tendo por isso pago um preço enorme, sobretudo sob o consulado de Napoleáo III.
Ora, e pelo que conheço de mim, da minha estupefação ao começar a "mastigar" Lamennais foi apenas um milímetro, que eu andei,
     Em "De L'esclavage moderne" texto ousadíssimo para a época encontro um prefácio que me causou estranheza em três pontos. Falha seguramente minha, pois quem sou eu para questionar eminentes estudiosos e especialistas? Primeiro, estranha essa Introdução que Lamennais tenha sido tão veemente com a escravatura do proletariado francês e nada diga sobre a escravatura, por exemplo, das Antilhas. Ora, e na minha singela análise; Lamennais ecreve um texto eminentemente panfletário, onde, embora procurando ser rigoroso, procura antes tirar partido de outros efeitos estilísticos, nomeadamente a hipérbole, e mais: ele utiliza - quanto a mim deliberadamente! - o termo "esclavage" umas vezes no sentido de "escravatura" e outras no sentido de "escravidão". O autor não fala da escravatura nas Antilhas, nem em qualquer outra parte do mundo, pois o seu interesse é denunciar a escravidão dos desapossados. Dito de outra maneira: quando eu digo: "sou um escravo naquela empresa, ela é que tem decidido a minha vida", isto não quer dizer que eu seja um escravo da empresa e que ela decida da minha vida! Complexo, não é verdade? Peguemos em dois exemplos do que foi, de facto, a sociedade esclavagista:na ficção: as páginas 29 e 30 do Volume I de "A Morte de Virgílio" de Hermann Broch; na Ciência (a História), a página 429 de "A Queda de Cartago, As Guerras Púnicas, 265-146 A.C." de Adrian Goldswortthy (Cf. igualmente a visão/utilização alegórica e/ou metafórica que pode existir para o conceito de escravatura - que a obra exerce sobre o criador - in "A Literatura de Agostinho da Silva, essa alegre inquietação" de Risoleta Pinto Pedro, p 107). Aqui, sim, fala-se da sociedade esclavagista, Lamennais, de facto, fala dela mas como efeito retórico: ele está a falar de outra coisa! Mas esta é, repito, uma mera visão, provavelmente enviesada, de quem não tem o estatuto nem o saber dos grandes nomes! Uma segunda objeção minha, vem do facto de se sugerir a insuficiência da solução proposta pelo padre francês, quando fala dos meios pacíficos das petições e outros tipos de pressões, de facto o autor não propõe a Ditadura do Proletariado por ele tão acérrimamente defendido no escrito, mas saltemos a questão da 2ª Internacional. Por fim, Lamennais, como padre católico que era - apesar de ter pago também um preço bastante alto pela sua ousadia! - apresenta como fundamento das suas posições a Justiça Absoluta e Fonte de Igualdade entre todos os homens, ou seja, Deus, claro que também poderia ter apresentado a sociedade sem classes à boa maneira estalinista, mas entre dois Paraísos por que lutar ele escolheu o que julgou melhor e eu - o de tão parco saber quando comparado com - penso que ajuizou bem. Portanto, para mim, este escrito de Lamennais é absolutamente coerente nas incoerências que parece apresentar.
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