quarta-feira, 15 de março de 2017
Fechado para balanço"
Culpo-te por não te amar em quase nada
e cuspo-te cada letra da culpa que é a tua.
É um xadrez que jogamos sempre juntos
rei branco em casa preta, adversários velhos
a mastigar estratégias de serão.
Culpo-me de te amar no final em quase tudo
e tu culpas-te por me culpar por me não amares.
Trazemos, então, o livro dos registos
e fazemos contabilidade, noite dentro.
Não sei como serão outros amores
mas o nosso é um longo livro nocturno dividido
em deves em haveres por um leve traço a sépia debotado.
Rasuramos e apagamos e voltamos a somar,
passamos cheques, recolhemos dividendos:
numa matemática cega, sem mais valias;
que nunca vão certas as contas deste amor.
Fazemos batota com as pedras do xadrez:
escondemos peões nas mangas largas,
uma rainha a mais entre as fraldas da camisa...
sussurramos bluffs embriagados sob a mesa,
duas torres arrasam uma diagonal inteira
e os cavalos sem freio a arquejar no tabuleiro;
o nosso jogo-de-xadrez é um exército desleal de armas de arremesso.
Ao final da noite somos dois reis sozinhos
preto e branco
a remoer o xeque das contas repetidas
conferimos, então, os números que nunca batem certo
e fechamo-nos com um aviso à porta, gasto e rasurado:
fechado para balanço do amor.
Duarte, Rita Taborda. Roturas e ligamentos. Lisboa: abysmo, 2016, pp 22-23.
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