sexta-feira, 3 de março de 2017
"Insectos"
Parai por algum tempo, olhai, pensai,
aproximai-vos do mundo dos insectos, vidas cheias de vida
mínima, vibráteis, brevíssimas nas suas águas,
sugadoras de sonhos,
das pálpebras dramáticas das rosas,
exércitos levíssimos do ar e carrascos invisíveis
da beleza brutal dos filhos da terra
dos gigantes.
A idade humana sempre foi uma cabeça relativa,
dona de sombras e de circunstâncias.
A idade da água foi de todas a mais soberana,
foi ela quem criou a música do infinito,
soltando o seu silêncio,
compacto, contra a ruidosa torre científica.
Sacudindo as suas asas transparentes,
o seu dorso de lumes invisíveis,
o insecto cumpre totalmente o seu destino.
É mais brutal que o vómito do fogo,
que o rebentar das águas da que vai parir longe,
antiga e montanhosa.
O insecto é o mais cruel brinquedo
nas mãos minúsculas
de deus.
Carvalho, Armando Silva. A Sombra do Mar. Porto: Assírio & Alvim, 2015, p 86.
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