segunda-feira, 8 de maio de 2017


   O Herman esperava-me em pé. Atrás dele ardia uma vela, ele aparecia-me em sombra chinesa.
- Onde estava?
- A minha mãe foi-se deitar tarde.
- Estava à sua espera.
- Ontem tive um impedimento. Um livro a recuperar em casa de uma aluna.
   Queria guardar o poema para mais tarde, escolher o momento oportuno, mas a censura na voz do Herman precipitou as coisas, o poema escapou-me (...)
   Ficou calado. Depois o seu riso brotou, com uma ironia feroz.
 - Quem lhe ensinou esse poema? De onde saiu essa pronúncia?
- Não é assim que se diz?
- Depende, mas em Varsóvia não. Talvez em Wilno e, mesmo assim, na boca do reitor da faculdade de teologia protestante! (...)
   Aquele judeu no fundo do seu buraco apenas via a minha estranha pronúncia. A oferenda monumental que eu lhe fazia deixava-o indiferente. Tirei do meu saco o volume em yiddish, atirei-lho para cima da mesa com um gesto de despeito. Estava escuro. Herman não podia reconhecer o livro ao primeiro olhar. Tome, é para si, estava atrás de uma trave.
   Herman pegou no livro. Afastou-se para o aproximar da vela, estava quase de costas voltadas para mim. Abriu o livro, acariciou uma página. Acabaram-se os risos, as censuras. Creio que estava comovido. (...)
   Fizemos amor na terra batida para abafar os ruídos. Comi o seu sexo e ele veio-se em mim. Era tão bom, eu e aquele judeu. Aquele homem só para mim. As suas mãos agarravam as minhas nádegas, a sua língua inundava-me as orelhas. Era suficientemente brutal para me dominar, mas atento ao meu desejo. Nunca conhecera aquelas sensações de gozo, os rins incendiados pelo prazer (...) senti uma felicidade desconhecida: esperava aquele homem há tanto tempo. (...) A sua maneira de fazer amor comigo não deixava qualquer dúvida: apoderava-se do meu corpo como dono e senhor, com o apetite de um canibal, nenhuma parcela era poupada, as minhas coxas, o meu púbis, os meus mamilos. Deixava-me devorar porque assim devia ser. Era um ser vivo. Finalmente.


   Rozier; Gilles. Um Amor Sem Resistência. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2005, pp 100-103.
.
.
.