domingo, 21 de maio de 2017



Só numa cidade antiga
Uma cidade de ruínas e pássaros
Uma cidade sem ninguém desde o séc. III
A vida pode existir sem sobressaltos

Há uma sinagoga e uma capela
E vida vegetal nas pedras
Os pássaros passeiam
E poisam nas ruínas

E não se ouvem sinos
A anunciar desgraças

A existência das pessoas pertence a um passado remoto
Não consta que tenha havido um terramoto
Só que às vezes abandonam-se os sítios por causas maiores
Que têm a ver com buscas incessantes de novas vidas

Os arqueólogos afadigaram-se ali antes de a guerra eclodir
Meio pente de terracota foi sujeito a análises
E a asa de um bilha

Soube-se pouca coisa

Mas os pássaros ainda cantam

A capela tem um vitral incompleto
A refracção da luz revela a vida de um menino
Que outrora ali cumpriu um sacramento

Hoje os meninos servem de escudos na guerra


  Aguiar, Isabel. As mães da Síria. S/c.: Editora Licorne, 2017, 33.
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